Presidente da Transparência diz que entidade “não tem natureza investigatória para levar a sanções”
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Debaixo de alguma polémica depois de o ex-secretário de Estado Hernâni Dias ter afirmado que tinha o aval para ser sócio de imobiliárias, de se conhecerem casos de aparente conflito de interesses e de o Chega ter defendido que a Entidade para a Transparência devia forçar o primeiro-ministro a revelar os clientes da sua empresa Spinumviva, a presidente da entidade defendeu nesta terça-feira que a instituição “não detém competências para aplicação de sanções ou de natureza investigatória para levar a sanções”, e que é apenas “uma entidade administrativa e não um órgão de polícia criminal”.
Falando na Assembleia da República na conferência sobre o estatuto dos titulares de cargos políticos, Ana Raquel Moniz, admitiu ser “impossível” à EpT apreciar incorrecções, omissões ou aumento de rendimentos e património por “não ter acesso a outros instrumentos de controlo da riqueza”. Tal como o PÚBLICO noticiou, a entidade só tem acesso à informação que os políticos lhe declaram e a dados públicos abertos.
À saída, questionada pelos jornalistas sobre a verificação das declarações únicas, em especial a de Luís Montenegro, Ana Raquel Moniz disse que a entidade está "a verificar [de forma cronológica] as declarações únicas de todos os titulares e, portanto, naturalmente, também a do primeiro-ministro". Das 2596 declarações submetidas na plataforma desde o início de Março do ano passado, a presidente voltou a dar a mesma estatística que deixara há dois meses no Parlamento: foi concluída a verificação de 25% e fizeram-se algumas participações (que não quis especificar) ao Ministério Público. A responsável insistiu na ideia de que quando se fala no poder de fiscalizar e sancionar os políticos que não cumprem as obrigações declarativas se "está a exigir [à EpT] algo que a lei não exige".
No mesmo painel, falando sobre a alteração, aprovada na generalidade, que prevê que os titulares dos cargos políticos e públicos passem a ser automaticamente avisados sobre a identidade de quem consulta as suas declarações, o constitucionalista Tiago Fidalgo de Freitas advertiu que a regra proposta pelo PSD arrisca ser inconstitucional por revelar os dados pessoais de quem pediu o acesso – seja um cidadão anónimo, jornalista ou até alguém de um partido da oposição. A quem contrapõe com a circunstância de que o político fica numa posição de maior fragilidade e exposição e por isso tem o direito de saber, responde que isso é o “enviesamento completo de toda a lógica” e que a lei impõe a “obrigação de transparência” aos políticos e aos altos cargos públicos por força das funções que exercem.
A presidente da Transparência e Integridade, Margarida Mano, defendeu que a EpT tem mesmo que ter acesso às bases de dados públicas para fazer cruzamento de informações e que as declarações únicas “têm mesmo que ser escrutinadas”, lamentando que a lei “não esteja a conseguir responder” aos casos de falta de fiscalização de incompatibilidades e conflitos de interesses que vão aparecendo na praça pública. Guilherme Silva, antigo deputado do PSD, recomendou “cautela, contenção e equilíbrio” sobre o eventual aperto do regime de incompatibilidades e impedimentos. Porque, apontou, “não se fazem políticos sérios por decreto e os que não são sérios têm sempre formas de contornar a lei através de testas-de-ferro, sem se deixarem cair nas malhas” destas normas.
Aviso automático arrisca inconstitucionalidadeDe manhã, num painel sobre o código de conduta dos deputados, o ex-parlamentar Paulo Trigo Pereira defendeu que se devem prever e aplicar sanções aos parlamentares que violem as chamadas regras de “urbanidade” no plenário – que usem “palavras e expressões inaceitáveis” - para se estancar o processo de “degradação” a que se tem assistido no discurso político. Contrariando a tese da “liberdade de expressão” e de que a sanção deve ser feita pelos eleitores nas urnas, como defende Aguiar-Branco, o antigo deputado recusou que se espere quatro anos para mudar e sugeriu que se “densifiquem os conceitos” do que não se pode dizer, se estudem as sanções existentes noutros países, da repreensão e expulsão do plenário ao corte no salário e suspensão do mandato. “Deve ser onde dói.”
Por seu lado, o investigador sobre transparência Luís de Sousa sugeriu que sejam criados poderes disciplinares para a Comissão de Transparência, sob a égide da qual funciona já o grupo de trabalho sobre o código de conduta – mas a ideia não foi muito bem acolhida por PSD e PS.
A investigadora e constitucionalista Mariana Melo Egídio avisou que a revisão do código de conduta tem que prever uma “lógica gradativa” nas sanções e cumprir critérios de proporcionalidade. E, olhando mais para o futuro, defendeu que se deve pensar já também em incluir no código de conduta regras para o uso das redes sociais pelos deputados.
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